segunda-feira, julho 31, 2006

VALE QUEM TEM


Vale quem tem. Assim diz o ditado.
Outro mais falso por certo não há;
Assim o creio e quem não dirá
Que Deus, só Deus, protege o desgraçado?

Ajuda o pobre o rico afortunado
Com os sobejos do que Deus lhe dá?
Mas quem sabe se assim procederá
Para com muito ser recompensado?

Madruga o rico sendo ambicioso,
O pobre por ser pobre como é crente
Espera a protecção do Deus Bondoso.

Ajoelhando em oração fervente
Implora paz ao Todo Poderoso
Crente no seu poder Omnipotente!

Anónimo

sábado, julho 29, 2006

MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCABE



A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor, e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que dif'rença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso,
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso;
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo, e não me faz ditoso.


Manuel Maria Barbosa du Bocage
N. 15-09-1765 _ F. 21-12-1805

sexta-feira, julho 28, 2006

CEREJAS RUBRAS


Cerejas rubras leva em sua mão;
Co'a outra, agarra a mãe, como um tesouro;
O cabelito, entre castanho e louro;
Os olhos vivos linda cor terão

Fatinho novo, malha de serão,
Tecida, aos poucos, com meadas d'ouro;
Pézitos nus, ou quase, sem desdouro,
Que nem anjos do Céu calçados são.

Sol matinal luzindo, nos telhados;
Caminho sem bulício barulhento
De gente que atropela, que murmura...

_Teres mãe, vestido novo, pés lavados,
Cerejas à merenda em pensamento,
Sol, rua livre, infância, e terás ventura!

Maria Antonieta Fernandes
À minha afilhada EVA MARIA
Correio do Ribatejo 5/06/1998 página 3

terça-feira, julho 25, 2006

SER MULHER



Ser mulher não é ter nas formas de escultura,
No traço do perfil, no corpo fascinante,
A beleza que um dia o tempo transfigura
E um olhar deslumbrado atrai a cada instante.

Ser mulher não é só ter a graça empolgante,
O feitiço absorvente, a lascívia e a ternura;
Ser mulher não é ter na carne provocante
A volúpia infernal que arrasta e desfigura...

Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza
De quem sabe pensar com toda a sutileza
E no próprio ideal rara virtude alcança...

É ter, simples e pura, os sentimentos francos...
E, ainda no fulgor dos seus cabelos brancos,
Sonhar como mulher, sentir como criança!

Carmen Cinira
1905-1933

sábado, julho 22, 2006

RASCUNHO PARA UM POEMA

RASCUNHO PARA UM POEMA
(Dona Ester)

Parto... À mercê de Deus! (Recolha o mar. Em lentos
Voos, vencendo o azul, corvos passam em bando.)
Dize: À mercê... também, como eu digo, sangrando
Em chaga os pés, tacatas as mãos, lábios sedentos...

Distante já, rasgando as roupas, em lamentos,
Olhos congestos de ficar assim chorando,
Disse: À mercê de Deus! como os náufragos, quando
Se quebra a nau, em meio à cólera dos ventos...

Hoje, neste desterro em que vivo, quem há-de,
Às vezes, como tu, consolar os meus lutos,
Esta cruel desesperança que me invade?

E eu, a olhar a distância, a olhar, de olhos enxutos,
Com essa desoladora expressão de saudade,
Funda, que tem o olhar dos cegos e dos brutos...


Júlio César da Silva

segunda-feira, julho 17, 2006

LOUISE LABÉ

SONETO XVIII

Beija mais, beija-me e torna a beijar
Dá-me um daqueles teus com mais sabor
Dá-me um daqueles teus com mais amor
Quentes qual tição quatro te vou dar

Cansado estás? Desse mal te refaço
Dez outros te darei, com que doçura!
Misturando nossos beijos de ternura
Gozemos um do outro neste abraço

Vida a dobrar cada um de nós terá
Em si cada qual e seu amigo viverá
Permite Amor perder-me em esta cisma

Sinto-me mal, vivo para dentro
E não sei como tirar contentamento
Se fora não sair de mim mesma.

Louise Labé
1524-1566


SONNET XVIII

Baise m'encor, rebaise-moi e baise;
Donne m'en un de tes plus savoureux,
Donne m'en un de tes plus amoureux:
Je t'en rendrai quatre plus chauds

Las! te plains-tu? Çà, que ce mal j'apaise,
En t'en donnant dix autres doucereux.
Ainsi, mêlant nos baisers tant heureux,
Jouissons nous l'un de l'autre à notre aise.

Lors double vie à chacun en suivra.
Chacun en soi et son ami vivra.
Permets m'Amour penser quelque folie:

Toujours suis mal vivant discrètement,
Et ne me puis donner contentement
Si hors de moi ne fais quelque saillie

Louise Labé
1524-1566



sábado, julho 15, 2006

"A LUÍS GUIMARÃES"

SONETO

Teu livro evoca em nós esse alabastro
branco das rosas brancas! Os poetas
bebem nele os clarões lunares dum astro
mais as fúrias do Amor __ deus d'armas pretas.

Versos há que se elevam como o mastro
dum navio: outros cheiram violetas:
outros chispam, rasgando um sulco e um rastro
como as caudas de fogo dos cometas.

Teu estro, esse corcel em que cavalgas,
calca nuvens, e sóis, rochas, e algas
fosforescentes... Tem clarões de mar.

Mas, também lembra o raio e os cemitérios
que torcem ramos negros. Diz mistérios.
Lembra as florestas quando vão chorar.

Gomes Leal
1848-1921

quarta-feira, julho 12, 2006

LEANDRO E HERO


O facho de Helesponto apaga o dia.
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandando por ela a prece afaga.
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte (1) _
«Leandro!... és morto?!... Que destino infando (2)
Te conduz aos meus braços desta sorte?

Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando,
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando!»

Laurindo Rabelo
3-6-1826_28-9-1864
(poeta brasileiro)

(1) Arrebatamento.
(2) Cruel

segunda-feira, julho 10, 2006

BERÇO


Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um pontilhão e um carro
De três juntas bovinas, que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro...
(Meu Deus! que é isto, que emoção a minha
Quando estas cousas tão singelas narro?)

Seu Alexandre, um bom velhinho rico,
Que hospedara a Princesa; o tico-tico (1)
Que me acordava de manhã, e a serra...

Com seu nome de amor Boa Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança
Da minha pobre e pequenina terra!

Bernardino Lopes
1859-1916
(poeta brasileiro)
(1) Espécie de pardais, que se reunem em bandos imensos.

domingo, julho 09, 2006

DIA DE ANOS

Com que então caiu na asneira
de fazer na quinta-feira (1)
vinte e seis anos! Que tolo! (2)
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
de quem tem muito miolo!
.
Não sei quem foi que me disse
que fez a mesma tolice,
aqui o ano passado...
Agora, o que vem, aposto,
como lhe tomou o gosto,
que faz o mesmo. Coitado!
.
Não faça tal; porque os anos
que nos trazem? Desenganos
que fazem a gente velho;
faça outra coisa; que, em suma,
não fazer coisa nenhuma,
também lhe não aconselho.
.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
às vezes por brincadeira,
mas depois, se se habitua,
já não tem vontade sua,
e fá-los, queira ou não queira!
.

João de Deus
(1) Não foi na 5ª-feira, foi no Domingo, dia da postagem.
(2) Também não foram 26 anos, e não é tolo, é tola
Nota: A aniversariante é uma amizade 'virtual'. Para ela e para todas as pessoas que fazem anos n'este dia, MUITOS PARABENS e um mundo de felicidades.

sexta-feira, julho 07, 2006

ESSÊNCIA DO SONETO

O sonetário será doce prazer
Feito serenata de arte a crescer.
Sonham-se cantigas bem alinhadas
Reino de palavras emparelhadas!
.
E cá por mim, só tenho a agradecer
Ao ser que o soneto ousa bendizer
E se em cinco rimas bem talhadas
Fluirem encantos das orvalhadas

No declínio da quadra começa
O momento que a magia tropeça
Nesta ovação cantada hoje em terceto.

Mas p'ra mim a essência do soneto
É deixar Erato, com inspiração,
Beijar os contornos do coração.
.
Azoriana

O QUE É UM SONETO



Se alguém, de boa fé, quiser saber
O que é um bom soneto, quanto a mim,
Sentido tome no que vou dizer
De maneira sucinta. Penso assim:

É um soneto a poesia que tiver
Catorze versos, normalmente iguais,
Todos com rima. Quanto ao resto, enfim,
É bom, se alguém gostar. E digo mais:

Soneto pode ser um pôr de sol;
Orvalhada em perfume de jardim;
Serenata de grilo ou rouxinol.

Pode ser a oração feita ao Senhor;
Cantiga maternal de adormecer;
Criancinha a brincar; beijo de amor...


Reinaldo Matos

quarta-feira, julho 05, 2006

SONETO



Eu vou tentar a forma do soneto,
A ver se há dentro em mim tal vocação
Se acaso possuir inspiração,
Das musas celebrar me comprometo.

A' lira tão constante me submeto,
Quão certo pulsa em mim meu coração
Pedindo ao estro as graças da razão,
A' protectora Érato as remeto.

Não basta a forma ser bem trabalhada,
Segundo as boas regras da poesia:
Mas ser a ideia grande e sublimada,

Que ascende radiante, viva e pura,
Tal como em Junho o Sol, ao meio-dia,
Ou como o céu estrelado em noite escura.

António Henriques

domingo, julho 02, 2006

QUISERA SER DEUS POR UM MOMENTO


Quisera ser Deus por um momento

Eu quisera ser Deus por um momento,
por um momento ser a providência,
deixar de ser a minha consciência,
do ser universal, fraco instrumento.

Então daria fim à inclemência
do vendaval da dor, do sofrimento,
que bata à porta, sem discernimento,
da velhice, pobreza e inocência...

Para sanar a dor, crê-se no Céu,
lugar dos justos, fonte de Beleza,
que não existe neste mundo meu!

Quisera ser o Deus da natureza
e dar um fim à dor que Deus nos deu
num mundo sempre feito d'incerteza!


25/11/1999
Maria da Assunção Carqueja Rodrigues