terça-feira, outubro 31, 2006

AS POMBAS


Vai-se a primeira pomba despertada . . .
Vai-se outra mais . . . mais outra . . . enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada . . .

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada . . .

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais ;

No azul da adolescencia as asas soltam,
Fogem . . . Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

Raimundo Corrêa

quarta-feira, outubro 25, 2006

FICA

Vai-te não! Fica!
Esperança, quimera da minha infância
Quero-te sonho, claro e belo
Quero-te! Por ti eu zelo!!!
Nem que seja a última vã crença
Eu preciso de acreditar em ti
És tu que alimentas a minha existência!...

Eu quero ao menos a tua presença
Eu quero ter-te...Fica, senão digo que morri!!!

Isa. Cal.

terça-feira, outubro 24, 2006

VAI-TE !

Vai-te !
Vai-te, esperança vã de felicidade,
quimera que teci na adolescência
com fios da mais pura ingenuidade !

Vai-te !
Vai-te, esperança vã d'amor eterno,
sonho que de céu claro e belo
se transformou em duro e triste inferno !

Vai-te !
Vai-te e não regresses ! Já não posso
alimentar-te mais, viver assim,
nesta espera eterna de ninguém !

Tenho tudo perdido ! Faltas tu !
Vai-te, esperança vã, deixa-me só !
Se o resto já se foi . . .
. . . .vai tu também !

. Jaime de Castro

domingo, outubro 22, 2006

O ENJEITADO


Ha anos que eu, errante, te procuro,
e talvez já tenha estado ao pé de ti.
Mas o mundo, para mim, é tão escuro,
que até hoje, minha mãe, eu não te vi.

Não sei se ainda és viva ou já morreste,
e se por mim a alguém já perguntaste.
Nem sei se de todo me esqueceste,
e o motivo por que foi que m'enjeitaste.

Com todas as mulheres te confundo,
e não descubro, entre tantas neste mundo,
nem uma que se pareça contigo.

E a esp'rança de sentir teu doce beijo,
vai morrendo junto ao meu grande desejo,
que era ver-te o que afinal não consigo!

António José Brás

sábado, outubro 21, 2006

SAUDADE



Quando em horas de meditação,
lembro-me de vós com grande alegria
oico nítido uma música distante
que me provoca uma grande nostalgia...

Sinto o cheiro dos cravos e sempre noivas
as minhas mãos húmidas de orvalho pegajoso
oiço o resmungar das árvores com o vento
tudo para mim é real e formoso !

Como é lindo o sorriso das crianças:
o chilrear das aves, a clorofila das plantas
e o sol a iluminar um mar de lembranças...

E para vós, com toda a lealdade
segue o meu abraço fraternal
e uma conchinha de água de saudade...

F. Correia

quinta-feira, outubro 19, 2006

AS JÓIAS DA CORNÉLIA



Reuniram-se, uma vez, nobres damas romanas
Em casa de Cornélia e, cheias de ufania,
Mostravam, mútuamente, a rara pedraria,
O luzente metal das jóias soberanas.

A filha de Cipião o Africano sorria
As mil exclamações das matronas romanas ;
E nem por ser estranha às vaidades mundanas
Deixava de admirar os primores que via.

Mas, quando querem as patrícias orgulhosas
Ver também, de Cornélia as jóias preciosas,
Para lhes estimar e enaltecer os brilhos,

Deixando adivinhar, num gesto altivo e terno,
O carácter viril e o coração materno,
A mãe dos Gracos apresenta-lhes os filhos.

Iracema Nunes de Andrade

domingo, outubro 15, 2006

E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de Maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio o não sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
Entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer.

Ruy Belo
1933_1978
N., S. João da Ribeira (Rio Maior)_ F., Queluz

sábado, outubro 14, 2006

A CAMÕES

Quando na alma pesar da tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela a glória que não passa.
Em teu poema de heroísmo e beleza.

Génio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado, em ti brilhou sem jaça
O Amor da grande pátria portuguesa.

E, enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que, em perigos sublimados,
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá sem poetas nem soldados
A lingua em que cantaste rudemente
As armas e os baróes assinalados

Manuel Bandeira
N. Recife 19-04-1886 __ F. Rio de Janeiro 13-10-1968

quinta-feira, outubro 12, 2006

A UM SEIO


O teu pequenino seio
De transparência azulada,
Foi uma espera doirada
Que se partiu pelo meio :

Cada metade após veio
E ao teu peito se colou :
Foi assim que Deus criou
O teu pequenino seio . . .

Mas, talvez falta de jeito ,
Ao dispô-las no teu colo ,
Formou-lhes mesmo no pólo
Um róseo bico de peito .

Tão rosado e pequenino
Que por sobre a pele langue
Semelha a gota de sangue
D'algum coração divino . . .

Sobre essa pele dos ninhos
Enroscam-se as veias verdes ,
Em que tu as horas perdes
A seguir-lhes os caminhos .

Elas correm sinuosas ,
Desde o peito até aos bicos
D'esses dois montes, dois picos ,
Da cor dos botões de rosas . . .

Têm a lanugem doirada
Em volta disposta em franja ,
Dando-lhe a cor da laranja ,
D'uma laranja encantada !

Eis porque digo ao teu seio
De transparência azulada ;
Que foi espera doirada
Que se partiu pelo meio ! . . .

Manoel Penteado

quarta-feira, outubro 11, 2006

SONHO


Quero voar, Amor. E ter estrelas
daquelas verdadeiras dos espaços...
E em cordões de luz entretecê-las
e pô-las às mãos cheias nos teus braços.

Quero voar com fadas e prendê-las
nesta cadeia louca dos meus laços ...
E vê-las cintilar. E entontecê-las
em noites de luar com os meus abraços.

Quero voar, Amor. Mas tu não vês?
cortaram minhas asas; e meus pés
não podem subir mais no céu tristonho.

O azul tornou-se negro de repente
e agora passo as horas tristemente
na insatisfação deste meu sonho.

Zacarias Mamede
Correio do Ribatejo, pag. 8,
18-08-2006

sexta-feira, outubro 06, 2006

LÁGRIMAS


Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos ;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos,
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos :
__ «Tu pareces nascida de rajada,
«Tens despeitos raivosos, resolutos ;

«Chora, chora, mulher arrenegada ;
«Lacrimeja por esses aquedufos . . .
«Quero um banho tomar de água salgada».


Lisboa, 1874

Cesário Verde
N. 25-02-1855__F.19-07-1886

domingo, outubro 01, 2006

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Entrei mui de mansinho n'alcova perfumada
A lâmpada, suspensa, vestia docemente
Uma luz opalina que ardendo frouxamente
Dava àquela mansão os tons d'uma alvorada.

Corri do leito ebúrneo a tel'adamascada:
Teu rosto, meu amor, pousava levemente
Qual pérola perdida na onda refulgente
Do teu cabelo louro: riquíssima almofada.

No jaspe do teu seio dei um beijo sem fim,
Fizeste de teus braços um colar de marfim
Em torno do meu pescoço, minha formosa amada.

Já cantavam as aves nos castanhais vizinhos !
Já despontara o sol ! Ainda entre carinhos
Eu te beijava o colo e lábios de granada !

Eusébio Simão