terça-feira, fevereiro 27, 2007

AUSÊNCIA

Partiste e contigo foi
tudo quanto me deixaste.
Tudo quanto um dia olhaste
nos teus olhos mansos foi.

Partiste e tudo levaste.
Não deixaste no jardim,
rosa que um dia cheiraste,
fruto que um dia colheste,
ar que um dia respiraste.

Só eu fiquei mas sem mim,
que a mim também me levaste.


Fernanda de Castro

domingo, fevereiro 25, 2007

LIBERTAÇÃO

Não sofro porque não tenho
ilusões a quem servir;
sou como um dia de Outono
olhando no chão as folhas
que o vendaval fez cair.

Não sonho, que não é bom
enganos dentro da gente.
Já neste mundo aprendi
que o sonho, como o amor
vai matando lentamente.

Deixei pender os meus braços
como cruz feita em pedaços.

Nem a morte nem a vida
me abalam o coração.
Sou como rocha batida
pelo vento a toda a hora:
falo da vida, não freme,
penso na morte, não chora.


Maria Adelaide Motta D'Oliveira

sábado, fevereiro 24, 2007

BOCAGE

MADRIGAL


Zephyros que brincais co'as tranças belas
Da minha doce Analia
Voai às flores da viçosa Idalia
Bem que na graça e cor são menos que elas.
Não é por vós, Favonios, que a frescura
Trazeis ao níveo seio,
E a face melindrosa em que deliro:
É só porque receio,
Que de astuto rival, de audaz ternura,
Convosco se disfarce algum suspiro.


Manuel Maria de Barbosa l´Hedois Du Bocage
16/06/1765__21/12/1805


sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O QUE É A VIDA


Do vão duma janela do Instituto,
Observava eu, cheio de amargura,
Que uma velha, qual vida a noite escura,
Se cobria com insígnias de luto.

Um pouco contemplando aquele vulto,
Notei que eram relíquias da ventura,
Que todos sonham, com ingénua candura,
No princípio da vida, com tumulto.

Oh gente que numa lide constante,
Avara, cobiçosa e repugnante,
Buscais honras, vaidades e riquezas...

Parai um pouco, meditai na morte,
Reparai que é o fim de tanta sorte,
E o triste fim de todas as grandezas.


Julio Dias Nogueira

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

FORMOSA


Vossência que é curiosa...
Quer saber quem é aquela
A quem eu chamo formosa?
__Pois não digo o nome d'ela!

É tão bela como a rosa
Ou talvez inda mais bela!
Vossência fica raivosa
E não sabe o nome d'ela!

Como cativa o seu rosto!
E d'aí com fino gosto
Traja sempre tão singela!

Que lindos olhos! que boca!
Mas toda a cautela é pouca
...............................................
Não lhe digo o nome d'ela!


A. Armando

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

NA GRUTA DE FREI HONÓRIO


Este frade, quem seria,
P'ra s'enterrar n'esta gruta
Tão solitária e tão fria,
E dormir na pedra bruta?
Um criminoso ou um santo?
Orava, ou su'alma em pranto
Expiava culpa maldita?
Foi talvez um sonhador
Carpindo penas d'amor
Uma saudade infinita?

Fosse, embora, criminoso
Su'alma, hoje está pura
Purificou-a a tortura
De penitência assombrosa,
O seu corpo macerado
Jaz, por aí, ignorado
Em sítio que se perdeu.
Como todas, foi-lhe a vida
Uma lágrima vertida
Que a terra há muito bebeu.


J. Troni

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

AMOR DE MÃE


Lindo e meigo o trinar do rouxinol,
Rico o aroma da rosa fresca e bela.
É admirável o fulgor do sol,
Belo o mar a agitar-se na procela.

Esplendorosa a aurora no arrebol;
Fascina a natureza tão singela;
Doce o crepúsculo ao morrer do sol;
Brilha no céu a fulgurante estrela.

Mas ultrapassa-os em beleza pura
O amor de Mãe, seus beijos, seu sorriso,
Sua dedicação, sua ternura.

Sublime, etérea flor do paraíso.
Por amor desse amor que a transfigura
A própria vida dá se for preciso.

Tereza Areosa Pontes

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

DÉCIMA


Deus de amor, sempre a ventura
De tuas mãos pendentes vi :
Tu podes tudo : sem ti
Nada no mundo figura.
Recolhe da terra dura
Fruto imenso o lavrador :
Mas oculto dissabor
No fundo da alma lhe diz,
Que não chega a ser feliz
Quem não chega a ter amor

Nicolau Tolentino
1740-1811

terça-feira, fevereiro 06, 2007

A CRUZ DA ESTRADA


A CRUZ DA ESTRADA

Tu que passas, descobre-te. Ali dorme
O forte que morreu.
Alexandre Herculano

Invídeo quia quiescunt.
Lutero


Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz a dormir na solidão.

Que vale o ramo de alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insónia atroz;
Deixa-o dormir no leito de verdura
Que o Senhor, dentre as relvas, lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme por ele à tarde no sertão;
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Entre os braços da Cruz a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu;
Chora orvalhos a grama, que palpita,
Lhe acende o vaga lume o facho seu.

Quando à noite o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus...
Prende-se a voz na boca das cascatas
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.
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http://www.historiadobrasil.net/escravidao/
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Recife, 22 de Junho de 1865
(«Os Escravos»)
Castro Alves (poeta brasileiro)

domingo, fevereiro 04, 2007

MÃOS DE MULHER


Mãos de mulher! Oh! doces mãos piedosas
Semeando o bem a todos os instantes;
Mãos de mães, de irmãs ou mãos de amantes
erguendo-se em preces silenciosas.

Mãos que têm perfume a nardo e rosas!
Se são de Amor seus gestos perturbantes,
Tecem rendas, brocados rutilantes,
Refúgio amigo em horas dolorosas.

Mãos que embalam o filho no regaço.
Trazendo o mundo em jeito d'um abraço...
Tão leves, tão macias elas são...

Mãos velhinhas, de dedos já sem vida,
Resignadas esperam a partida
Desfiando o rosário em oração.


Maria de Lourdes Lima

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

JOÃO DE DEUS

Ora não sei eu quem foi teu pai !
Fidalgo: sei perfeitamente bem.
O que eu não sei, Gaspar, é o que vem
N'esta vida fazer quem já lá vai.

Já se vê que é aos pais que a gente sai
Tal pai, tal filho; sim duvída alguém
Que um pai se é como teu, homem de bem,
Tu és homem de bem como teu pai ?

D'isto não há quem possa duvidar
Mas queres um conselho que eu te dou ?
Não mexas n'isso ... Cala-te Gaspar !

Que eu, cá por mim, bem sabes como eu sou,
Mas é que outro talvez mande tirar
Certidão de nascimento a teu avô .

João de Deus
8/3/1830__11/1/1896