sábado, novembro 24, 2007

ALEXANDRE HERCULANO

A FELICIDADE NO AMOR

Eras tu, eras tu que eu sonhava;
Eras tu quem eu já adorei,
Quando aos pés de mulher enganosa
Meu alento em canções derramei.

Se na terra este amor de poeta
Coração há que o possa pagar,
Serás tu, virgem pura dos campos,
Quem virá a minha harpa acordar.

Como a luz duvidosa da tarde,
Quando o Sol leva ao mar mais um dia,
Reverbera poesia e saudade
Na alma imensa de um rei da harmonia;

Tal poesia e saudade em torrentes
No teu meigo sorrir eu aspiro,,
E no olhar que me lanças a furto,
E no encanto de mudo suspiro.

Para mim és tu hoje o universo;
Soa em vão o bulício do mundo;
Que este existe somente onde existes;
Tudo o mais é um ermo profundo.

No silêncio do amor, da ventura,
Adorando-te, oh filha dos céus,
Eu direi ao Senhor: tu m'a deste:
Em ti creio por ela, oh meu Deus!


Alexandre Herculano

quarta-feira, novembro 21, 2007

ANTONIO NOBRE

AQUI SOBRE ESTAS ÁGUAS...
(No Canal da Mancha)

Aqui, sobre estas águas cor de azeite,
cismo em meu Lar, na paz que lá havia:
Carlota, à noite, ia ver se eu dormia,
e vinha, de manhã, trazer-me o leite.

Aqui, não tenho um único deleite!
Talvez... baixando, em breve, à ´´Agua fria,
sem um beijo, sem uma Avé-maria,
sem uma flôr, sem o menor enfeite!

Ah, pudesse eu voltar à minha infância!
Lar adorado, em fumos, a distância,
ao pé da minha Irmã, vendo-a bordar:

Minha velha Aia! conta-me essa história
que principiava, tenho-a na memória,
«Era uma vez...
Ah! deixem-me chorar!

António Nobre

sábado, novembro 17, 2007

ESPÍRITO & HUMOR

Ter na hora própria a frase cintilante,
De molde gracioso e sorridente...
O dito agudo, o dito penetrante,
Que salta da boca de repente...

Isso é espírito... a explodir ovante.
O humor, porém, é cousa mui dif'rente...
(Se bem que seja um pouco semelhante
No modo de fazer sorrir a gente...)

O espírito e o humor, onde os eu estudo
É no Circo, observando a pantomina
Do palhaço pomposo co'o faz-tudo...

Ironiza o palhaço com ar jucundo:
E, sem que, ao fim, a farsa nos deprima.
Sério, o faz-tudo faz sorrir o mundo...

L da Cruz Sobral

domingo, novembro 11, 2007

O SEMEADOR

Robusto semeador, quando semeias
O ventre maternal da terra, quando
A vais, de leira em leira, polvilhando
Do farto grão que espalhas às mancheias,

O sangue que circula em tuas veias
É a força ancestral do miserando
Servo da gleba, ó semeador, semeando
A paz, fecunda e livre, por que anseias.

Há séculos de fomes e canseiras
Que só colhes, das rudes sementeiras,
Despotismos e guerras pelo mundo...

E tu, na auréola de oiro que irradias,
Quanto mais sofres, tanto mais confias
No teu gesto pluvioso, amplo e fecundo!

Conde de Monsaraz