segunda-feira, maio 26, 2008

NAI


Non foi de morte, nai, que foi de vida
o teu pasar aló, á outra beira,
porque o teu existir foi sementeira
de bicos e alegría. Estás vertida

no noso sangue, e vés en ametida
como a auga lizgaira e cantareira
coa dozura da ollada derradeira
a darnos outro bico na ferida.

Que fermosa eras, nai, e que serena!
Que inmenso é o herdo que nos deixas!
Mais perdóanos, nai, a nosa pena,

desculpa, que aínda así teñamos queixas
de que a existencia sexa tan pequena
e queiramos soñar que aínda nos beixas.
 

  
Marica Campo

sábado, maio 17, 2008

SEDUÇÃO

Ela, ao ver-me vestido de preto,
me perguntou:
«Que foi que te aconteceu?»
Nada lhe disse.
Lá fora, o som de mavioso nocturno,
vindo não sei de onde,
enchia a noite de imensurável tristeza...
Em me vendo calado,
de olhar taciturno,
aconchegou-se a mim.
........................................................

E eu, que me enlutara
para lhe dizer
que morrera o nosso amor,
nossa grande amizade,
não tive coragem...
Ao sair pela manhã do seu aposento,
saí pálido, cansado e morto de saudade...

Luís D'Alenquer

quinta-feira, maio 15, 2008

HORA NEGRA

Quando eu morrer, Amor, não tenhas pena.
Há-de acabar de vez esta agonia
Que sem cessar minha alma desfazia
No lento corroer duma gangrena.

Quando findar a vida que envenena
E para mim nascer o eterno dia;
Quando for como a neve branca e fria
A minha pele ardente de morena;

Quando deixar o mundo onde não vivo,
Então minha alma livre, sossegada
__Quando mais nada já houver de mim__

Será como o perfume doce e esquivo
Que se evola da flor já desfolhada
Na calma luarenta dum jardim...

Maria Helena Duarte de Almeida

quarta-feira, maio 14, 2008

MÃE

OLHA, meu filho, quando, à aragem fria
dalgum torvo crepúsculo encontrares
uma árvore velhinha, em modo e em ares
de abandono e outonal melancolia,

não passes junto dela, nesse dia
e nessa hora de bênçãos, sem parares;
não vás, sem longamente a contemplares:
vida cansada, trémula e sombria!

Já foi nova e floriu entre os esplendores:
talvez em derredor dos seus amores
inda haja filhos que lhe queiram bem...

Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice;
sorri-lhe com bondade e com meiguice:
_Lembre-te, ao vê-la, a tua própria Mãe!

António Correia de Oliveira
1879-1960

sábado, maio 10, 2008

AUSÊNCIA

Partiste e contigo foi
tudo quanto me deixaste.
Tudo quanto um dia olhaste
nos teus olhos mansos foi.

Partiste e tudo levaste.
Não deixaste, no jardim,
rosa que um dia cheiraste,
fruto que um dia colheste,
ar que um dia respiraste.

Só eu fiquei mas sem mim,
que a mim também me levaste.

Fernanda de Castro