quinta-feira, outubro 30, 2008

ESPARSA

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos,
E, para mais m'espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos:
Cuidando alcançar assim
O bem, tão mal ordenado,
Fui mau _ mas fui castigado,
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado...

Luís de Camões

segunda-feira, outubro 27, 2008

FEDERICO GARCÍA LORCA

VENUS

Así te vi

La joven muerta
en la concha de la cama
desnuda de flor y brisa
surgía en la luz perenne.

Quedaba el mundo,
lirio de algodón y sombra,
asomado a los cristales
viendo el tránsito infinito.

La joven muerta,
surcaba el amor por dentro.
Entre la espuma de las sábanas
se perdía su cabellera.

Federico García Lorca

sexta-feira, outubro 24, 2008

A TI

Não, não acaba tudo com a morte!
Finda o amor, o ódio, a amizade
Mas fica a dor, de todas a mais forte,
Aquela a que chamamos «a Saudade».

Sofrendo-a, nada há que nos conforte,
Que nos anime ou dê felicidade;
É ser-se condenado a triste sorte!
Mortifica-nos sem dó, sem piedade-

Eternamente vive a nosso lado,
Recordando desilusões sofridas
Recorda-nos também feliz passado,

Tempo alegre, que outrora se viveu
................................................................
E, assim passamos horas esquecidas
Na companhia de quem já morreu.

Judith de Quental Calheiros

quarta-feira, outubro 22, 2008

OLAVO BILAC

O BRASIL

Pára! Uma terra nova ao teu olhar fulgura!
Detem-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em carícias se muda a inclemência das vagas...
Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

Treme-te a voz afeita às blasfémias e às pragas,
O' nauta! Olha-a, de pé, virgem morena e pura,
Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,
__Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas...

Beija-a! O sol tropical deu-lhe à pele doirada
O barulho do ninho, o perfume da rosa,
A frescura do rio, o esplendor da alvorada...

Beija-a! é a mais bela flor da Natureza inteira!
E farta-te de amor nessa carne cheirosa,
O' desvirginador da Terra Brasileira!

Olavo Bilac

sábado, outubro 18, 2008

NOIVOS

Abriga-os o céu puro de bonança,
colhem perfumes, rosas no caminho,
a luz verde e radiosa da esperança
traz suas almas rasas de carinho...

Minha alma de ilusões despida, alcança
os noivos, colhe às rosas um espinho
e crava o peito onde jamais descansa
o coração que chora andar sozinho...

É que eu já fui tal qual os noivos loucos,
ou antes uma noiva casta e pura,
que não vê, não suspeita de traição

para onde iludida vai aos poucos,
sem ver que o noivo, o homem que lhe jura...
há-de vir a enganá-la e sem razão.

Isaura Matias de Andrade

sexta-feira, outubro 17, 2008

DOIS CASOS IGUAIS

Ao seu primeiro filho, inda pequeno,
o pai dizia, com rigor profundo :
«Só sairás de casa, isto te ordeno,
quando souberes bem o que é o mundo».

Este caso singular
outro caso faz lembrar.

Um outro pai o filho convidando
a se banhar num rio correntoso,
vendo seu filho quase se afogando,
salvando-o a muito custo, furioso,
jurava a toda a gente do lugar,
jurava,
rejurava,
e repetia
que o filho nunca mais n'água entraria
enquanto não soubesse bem nadar !!!

Catulo da Paixão Cearense

quinta-feira, outubro 16, 2008

AS ESTRELAS

AS ESTRELLAS

A hora a que as creanças adormecem,
pela concha do céo macio e brando,
palpitando, as estrellas apparecem.

E semelham, no céo limpido e lindo,
presas no ar e rebrilhando accesas,
pingos de lume n'agua refulgindo.

E recolhem as aves, escondendo
na asa a cabecinha fatigada,
cansada de ser livre, e já pendendo.

Dormem todos o mesmo somno brando;
Sonham todos o mesmo sonho lindo;
todos sorrindo e doces respirando.

Mas as estrellas, pelos céos suaves,
accendem nos seus olhos o cuidado:
vigilam, p'ra que seja descansado
o somno das crianças e das aves...
.
Afonso Lopes Vieira (1878-1946)
.
Nota: O texto foi transcrito tal qual o original.
No entanto é de notar que no primeiro verso creanças está escrito com (e).
Já no décimo sexto verso a palavra criança aparece com (i),
consoante a nomenclatura actual.

terça-feira, outubro 14, 2008

CLARÃO FUGAZ

Junto da estrada fui sentar-me um dia
Por onde a minha vida vai correndo...
Ansiosa, em tanta coisa sucedendo,
Ver eu quis se o prazer __ lá passaria!...

Primeiro avisto a dor, lenta, seguia
Levando em si, nas suas mãos sustendo
Todo o pesar que o tempo vai vertendo
Nas horas de tristeza e de agonia!...

__Mas eis que chega um séquito brilhante
A ventura, de luz clara, ofuscante,
Em correria doida, a galopar!...

E eu fico ali eternamente esperando,
A cada mal que surge, perguntando,
__Se o prazer nunca mais torna a passar...

Candida Ribeiro

segunda-feira, outubro 13, 2008

VOY A APAGAR LA LUZ

Voy a apagar la luz
para quedarme a oscuras con tu rostro,
para inventar de nuevo aquel instante:
intimidad etérea y fulminante,
piel en la voz,
voz en el canto,
en la mirada...
Voy a apagar la luz
porque la oscuridad me obliga a dibujarte,
me da la dulce libertad de juntar las ternuras,
de calcar las ansias y borrar las soledades...
Voy a apagar la luz
para pensar en ti.

Viviane Nathan

sábado, outubro 11, 2008

NOITE CHUVOSA

Oh, chuva triste, triste de beleza,
minh'alma se enternece muito quando
tão mansa e desgostosa, vens chorando
nas calhas tua mórbida tristeza...

É como se eu sentisse uma fraqueza
estranha e inexplicável penetrando
em mim, um sentimento muito brando
que dói, que dói... _Saudades com certeza...

Eu tento ler... Mas não, não posso ler.
Oh, chuva, chuva atroz que nunca cessas,
porque é que não me deixas esquecer?

Que mágoa, tendo amor, ser condenado
a ter saudades numa noite dessas,
com chuva murmurando no telhado!...

Eno Theodoro Wanke

sexta-feira, outubro 10, 2008

CREPÚSCULO

Tarde hibernal... O sol desaparece
Por entre os montes, vagamente,
E o vento passa, ciciando em prece,
Sobre a agonia da amplidão dormente.

O poente, a pouco e pouco, se enegrece,
E do carreiro o cântico dolente
Ouve-se, quando a lua resplandece,
Canto que chega a atormentar a gente.

Deserta o canto a solidão sem termo.
Vagos queixumes sobre a ramaria
Ficam pairando longamente no ermo.

A lua um pranto luminoso esfia...
E, dorido, o meu ser se prosta enfermo,
Enquanto uma ave tristemente pia.

Luís D'Alenquer

quinta-feira, outubro 09, 2008

CÂNTICO NEGRO

«Vem por aqui» _ dizem-me alguns com olhos doces.
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem «vem por aqui».
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar, desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
_Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: «vem por aqui?»
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se eu vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que eu faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes livros, e tratados, e filósofos e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah! que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui!»
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou.
Não sei para onde vou.
_Só sei que não vou por aí!

José Régio


http://www.youtube.com/watch?v=OexuXLZcHkY

http://www.youtube.com/watch?v=XV_iXZFPBCk&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=j_R47aK-2kE&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=BZarb5MqOL8&feature=related

segunda-feira, outubro 06, 2008

TORMENTO

Quando o Sol agoniza no Poente,
Num de sangue, enorme, arroxeado,
Eu vejo, sobre o Oceano, alma latente
Dum ser desiludido, torturado.

Essa alma triste desse ser maguado
Que emite a sua voz terna, dolente,
Pelos vagalhões do Mar altivo, irado,
Esvai-se, desfalece lentamente.

Ó Sorte inexorável, Sorte dura!
Tu, muda o seu viver em meiga aurora
Ou sai com ele do Mundo pavoroso,

Desterra essa pobre alma da Tortura,
Leva-a daqui bem longe, Céu em fora,
Acaba o seu tormento doloroso!

Vitorino Nemésio

sexta-feira, outubro 03, 2008

JULIO DANTAS

VIDA SIMPLES

Ter um canto de terra ou cortinhal ;
Por minhas mãos lavrar a terra dura ;
Beber um leite bom, uma água pura ;
Vestir de burel rude ou de saial ;

Ter um rebanho alfeiro, que outro igual
Não tivesse o povoado ou a espessura ;
Procurar entre pedras a ventura
Que não me pôde dar nenhum mortal ;

Viver livre de enganos, sossegado,
Vendo os olhos piedosos dos cordeiros,
Que mais falam à alma que os da gente :

Quem um dia pudera, assim mudado,
Ir arrastando os dias derradeiros
D'esta vida mortal e descontente !

Julio Dantas