sexta-feira, dezembro 26, 2008

ANO NOVO

O ano velho está prestes a findar:
uma página mais que já foi lida
no livro tragi-cómico da vida,
onde as lágrimas e o riso andam a par.

E do pórtico eterno ao limiar,
já novo ano continua a lida
do Tempo que não pára na corrida
como os rios fugindo para o mar.

Uma ingénua alegria de criança,
nos corações apaga bem depressa
das passadas tristezas a lembrança.

Nasce em cada alvorada uma promessa,
e há sempre algum clarão de boa esperança
a alvorecer no ano que começa.

Cardoso dos Santos

segunda-feira, dezembro 22, 2008

DIA DE NATAL

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhe darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes, a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra eo Céu e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem díáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mãmã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas alturas.

António Gedeão

http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%B3mulo_de_carvalho

sábado, dezembro 20, 2008

A UMA CRUELDADE FORMOSA

A UMA CRUELDADE FORMOSA

A minha bela ingrata
Cabelo de ouro tem, fronte de prata
De bronze o coração, de aço o peito;
São os olhos luzentes
(Por quem em choro e suspiro,
Desfeito em cinza, em lágrimas desfeito)
Celestial safiro;
Os beiços são rubins, perlas os dentes;
A lustrosa garganta
De mármore polido;
A mão de jaspe, de alabastro a planta.
Que muito, pois, Cupido,
Que tenha tal rigor tanta lindeza,
As feições milagrosas.
Para igualar desdéns a formosuras,
De preciosos metais, pedras preciosas,
E de duros metais, de pedras duras?

Jerónimo Baía

quarta-feira, dezembro 17, 2008

PRESÉPIO ( 1 )


PRESÉPIO (1)
Dos teus vários brinquedos de criança,
muitos dos quais te dava o Deus-Menino,
há um que mais perdura na lembrança:
_ o presépio que armaste em pequenino.

A igreja de cartão, que tu fizeste,
onde um par de bonecos se casou !
E o desgosto profundo que tiveste,
quando o padre de barro se quebrou !

Um galo empoleirado sobre um sino,
de bico muito aberto, de contente,
cantava anunciando que o Menino
sobre palhas nascera, humildemente.

Mais além era um rancho que folgava,
com guyitarras, pandeiros e violas,
tendo à frente uma negra que dançava,
brandindo com salero as castanholas.

E lavadeiras, frescas e formosas,
entoavam canções ao desafio ;
e, arregaçando as saias vaporosas,
lavavam debruçadas sobre o rio.

Junto à fonte, sorrindo em seus afagos,
namorados juravam seus amores,
E, descendo a colina os três Reis Magos
caminhavam à frente duns pastores.

Ao pé da gruta, onde Jesus dormia,
um soldado de chumbo, prazenteiro,
com a sua espingarda o protegia
de qualquer inimigo traiçoeiro.

Eram estes bonecos tentadores
que te encantavam num ingénuo afã,
entre velas brilhantes, de mil cores,
que se apagavam só com a manhã.

Foi como se apagou a minha luz,
lançando sobre mim um negro véu,
naquela madrugada em que Jesus
te arrebatou consigo para o Céu.

Bonecos de expressões entristecidas,
tendes segredos que só eu desvendo.
E há vozes no ar gritando, indefinidas,
que dizem coisas que só eu entendo.

E destas rosas de papel, agora
que o Tempo as desbotou sem piedade,
o mais vivo perfume se evapora :
_ É o vivo perfume da saudade.


ESPÍNOLA DE MENDONÇA

(1) Poesia escrita após a morte de um filho.

sábado, dezembro 13, 2008

DEOLINDA


Alta, delgada e muito esbelta, era
De sua mãe constante companheira;
Durou anos a sua primavera
E durar prometia a vida inteira.

Da mãe ao lado andando prazenteira,
Inseparáveis como o muro e a hera;
Eu calculava as horas, de maneira
Que as encontrava, como quem não espera.

Tenho razões para julgar que a mãe
Fazia o mesmo com qualquer sentido;
Tratou-me sempre extremamente bem...

Até que veio alguém... mais decidido,
Juro que não quis mal a esse alguém;
Mas nunca vi mais infeliz marido!

Fernandes Costa

sexta-feira, dezembro 05, 2008

CONTEMPLAÇÃO


Contemplando o silêncio das esferas,
Quedas, pobre mortal, aniquilado
Ante as magnificências do Incriado
Que tentas perscrutar de longas eras.

Mas é em vão, é sempre em vão que esperas
Alcançar o que a todos é vedado,
Pois o cérebro humano é limitado
E por vezes se nutre de quimeras.

Ante a muda eloquência do Infinito,
Que é tu, homem, misérrimo proscrito,
Que te glorias do teu fraco lume?

Talvez a inteligência inigualável
Que te faz rei, só seja comparável
À lanterna de um simples vaga-lume...

Iracema Nunes de Andrade