sexta-feira, abril 24, 2009

SONETO À LIBERDADE

Sagrada emanação da divindade,
Aqui do cadafalso eu te saúdo;
Nem em tormentas, com revezes mudos,
Fui teu votário e sou, ó Liberdade!

Pode a vida brutal ferocidade
Arrancar-me em tormento mais agudo;
Mas das fúrias do déspota sanhudo
Zomba da alma a nativa dignidade.

Livre nasci, vivi, e livre espero
Encerrar-me na fria sepultura
Onde império não tem mando severo.

Nem da morte a medonha catadura
Incutir pode horror a um peito fero,
Que aos fracos tão-sòmente a morte é dura.

António Carlos

domingo, abril 19, 2009

AMOR

É como um templo uma afeição sincera.
Nele se guarda um ídolo ou uma imagem,
Com a devoção de quem, confiando, espera;
Ou com a impaciência de um fervor selvagem.

Coloquei-a num trono. Que coragem
Tem o amor quando é força e primavera!
Até na devoção mais pura, ainda agem
As forças instintivas, em que impera.

Toda a alegria em que me inspiro e exulto
Vem-me da santidade do meu culto
E o silêncio contrito que me imponho.

E a glória por que luto e ainda forcejo
É não me expor a que ela tenha o ensejo
De cair das alturas do meu sonho.

Sebastião Noronha

sexta-feira, abril 17, 2009

HISTÓRIA BREVE DE

HISTÓRIA BREVE DE UMA BONECA DE TRAPOS

Era uma vez uma boneca
Com meio metro de altura...

Insinuante, bonita,
Mas, pobremente vestida.

Um ar triste, __ uma amargura
Diluída no olhar...
_ Grandes olhos de safira,
E um sorriso combalido
Como flor que vai murchar.

Quase a meio da vitrine
Lá daquela capelista
Essa boneca de trapos
A ninguém dava na vista!

Ninguém via o seu sorriso!

Ninguém sequer perguntava:
Quanto vale a «marafona»?
Quanto querem p'la «Princesa»?...

Passaram anos. __ Com eles,
Foi-se a minha mocidade
E cresce a minha tristeza.

_Quem é que dá p'la Boneca
Que os meus olhos descobriram
Lá naquela capelista
Quase à esquina do jardim?...

_ Quem dá por Ela? Ninguém.

E quantas almas assim!


António Botto

terça-feira, abril 14, 2009

NUNCA MAIS

Talvez a folha que ali vai no vento
Te volte aos ramos, árvore que choras...
!Não voltam as que levam o esquecimento!
São as folhas do tempo: são as horas.

A folha que revoa pelos rasos
Nas asas dos tufões é feliz, ela!
Que até, desfeita em pó, nos seus acasos,
Pode às vezes o vento ali trazê-la;

E pode, entre as raízes do arvoredo,
Ir na seiva do ramo onde nascera,
Tornando a ser ainda, tarde ou cedo,
Nova folha de nova primavera.

!Mas quem me dera a mim achar no vento
Em horas de saudade, em horas tristes,
Um pó que fosse vosso, um só momento,
Folhas do tempo, que a voar fugistes.

Fernando Caldeira

quarta-feira, abril 08, 2009

A ENTRADA DA BARRA

Manhã... poesia... encanto... alvoroço... alegria...
O sol enche de luz a terra e o firmamento,
E corta o espaço azul, de momento em momento,
Uma gaivota branca, errante e fugidia.

Há reflexos de luz pelas ondas que o vento,
Voluptuosamente, abraça e acaricia;
A natureza inteira a respirar poesia,
Num esto, faz a Deus erguer-se o pensamento.

Extasiada, contemplo a beleza pujante
Da nossa Guanabara a estender-se possante,
Com a pompa e o resplendor de eterna magestade.

E, fitando no céu meu olhar deslumbrado,
Vejo, branco, surgir, no alto do Corcovado,
O Cristo Redentor, que abençoa a cidade !...

Iracema Nunes de Andrade