quarta-feira, maio 27, 2009

ILUSÕES MORTAS

Morreu-me enfim, amarguradamente,
A mais doce das minhas ilusões...
Que vale a vida sem as seduções
De uma esperança que nos acalente?...

Foi breve o sonho que tão docemente
Encheu-me a vida de fascinações...
Morto o ideal das minhas ambições,
Ficou-me a dor que mata lentamente...

Outrora eu via a rutilar brilhante,
Iluminando o céu da minha vida,
A promissora estrela da Esperança,

Agora eu vejo (ó causa apavorante!)
O céu mudado em noite denegrida,
Onde não surge um íris de bonança.

João Baptista de Morais Ribeiro

sexta-feira, maio 22, 2009

SONETO

Neste silêncio cheio de sentido
Da noite, escuto, em religiosa unção,
Um rumor misterioso e indefinido
Que parece rolar lá da amplidão.

De onde vem este som desconhecido?
Desce dos céus? Será uma ilusão?
São vozes que não ferem meu ouvido,
Mas que me vêm ressoar no coração.

São vozes do silêncio e do mistério,
Com que Deus fala às suas criaturas
Dos abismos do espaço ermo e sidério;

Ouço-as no decorrer da noite calma,
Descendo misteriosamente das alturas
Para ecoar no silêncio de minh'alma.

Maria Nunes de Andrade

segunda-feira, maio 18, 2009

MULHER

A AVÓ

A avó , nos trémulos dedos
mal sustentando o leve fuso,
ouve ao longe o som confuso
duns inocentes brinquedos.

__Achando aberto o jardim,__
diz a velha __ é sempre assim;
são como as aves inquietas.
Nem eu sei quem voa mais,
se os incansáveis pardais,
se as minhas queridas netas.

E a avó, nos trémulos dedos
fazendo girar o fuso,
ouve a rir o som confuso
dos tais longínquos brinquedos.

Eis principia a assomar
da cadeira no espaldar
a face, risonha e linda,
duma das netas, e a avó,
pensando que está bem só,
fala das netas ainda.

Fala; e nos trémulos dedos
fazendo girar o fuso,
ouve a rir o som confuso
dos tais longínquos brinquedos.

Nisto, um rosário que está
pendurado há muito já
num dos braços da cadeira,
escorrega e cai ao chão,
por lhe haver tocado a mão
daquela infantil brejeira...

E a avó, dos trémulos dedos
deixando cair o fuso,
já não ouve o som confuso
dos tais longínquos brinquedos;

mas assustada ao sentir
o seu rosário cair,
volta a nevada cabeça
e inda distingue o rumor
que faz pelo corredor
a neta, fugindo à pressa.

E, do cesto das meadas
a avó levanta o fuso,
ouve a rir o som confuso
de longínquas gargalhadas.


Guilherme Braga

quinta-feira, maio 14, 2009

FRANCISCO DE RIOJA

Á LA ROSA

Pura, encendida rosa,
Émula de la llama
Que sale com el dia,
: Como naces tan llena de alegría
Si sabes que la edad que te da el cielo
Es apenas un breve y veloz vuelo?
Y no valdrán las puntas de tu rama
Ni tu púrpura hermosa
Á detener un punto
La ejecucion del hado presurosa.
El mismo cerco alado,
Que estoy viendo riente,
Ya temo amortiguado,
Presto despojo de la llama ardiente.
Para las hojas de tu crespo seno
Te dió Amor de sus alas blandas plumas,
Y oro de su cabello dió á tu frente.
Oh fiel imágen suya peregrina!
Bañote en su color sangre divina
De la deidad que dieron las espumas;
Y esto, purpúrea flor, y esto ? no pudo
Hacer menos violento el rayo agudo?
Róbate en una hora,
Róbate licencioso su ardimiento
El color y el aliento;
Tiendes aun no las alas abrasadas,
Y ya vuelan al suelo desmayadas.
Tan cerca, tan unida
Está al morir tu vida,
Que dudo si en sus lágrimas la aurora
Mustia tu nacimiento ó muerte llora.

Francisco de Rioja

segunda-feira, maio 11, 2009

VINICIUS DE MORAES

SONETO DE VÉSPERA

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrima terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa, quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou _ fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apêlo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Vinicius de Moraes

segunda-feira, maio 04, 2009

PEDRO HOMEM DE MELO

BODAS VERMELHAS

As almas pedem luz. Apodrecida
A noite dorme, quieta, em seu armário.
Cantai sem medo! A cruz foi no calvário
Que Deus a ergueu, como a anunciar a vida!

Cantai, rapazes! E essa juventude
Que não foi minha, seja, ao menos, vossa!
Que dentre todos, um, ao menos, possa
Quebrar tanto silêncio que ainda ilude!

As asas só são asas quando há vento.
Cantai ! Cantai na força dos vinte anos!
Cantai ! Cantai ! Ingénuos mas humanos
Com lábios rubros de prometimento!

Não morrer hoje, que importância tem?
A paz, às vezes, lembra-nos veneno...
E tudo é falso no país sereno
Que não se bate nunca por ninguém.

Pedro Homem de Melo