terça-feira, junho 23, 2009

BALADA DO DOMINGO TRISTE

Chove.
A tarde doente vem dizer-me
Das suas queixas e das suas dores.
Os móveis e os seres inanimados
São testemunhas.
Também sobre eles cai,
Trazida pela luz desta tarde sombria,
A tristeza das vidas sem destino.
Mas não n'a sentem
E é bem melhor para eles.

Abrem-se as portas do palácio negro
Que existe dentro de mim.
Luzes vermelhas
Soltam-se no ar,
Mas, ao chegar ao negro das paredes
Logo se apagam.
Vitrais alacres tingem sóis doirados,
Riscos de cor alagam os tapetes,
Mas tudo se desfaz.
E o meu leito
_ A única brancura
Que se distingue nesse inferno escuro _
Roça carícias na minha alma doente.
E tudo morre, quando entra em mim.
A maldição destas paredes negras
Semeia esquifes no lagedo frio.
Há ilusões emparedadas vivas...

Dos visitantes, um enlouqueceu:
Foi o Amor.
Canta, por noites longas de arrepios,
canções estrídulas,
Dissonantes, álgidas.
Outro, o Desejo,
Corre, alucinado,
Lançando-se aos vitrais,
Despedaçando as carnes pelas grades.
Quer ir tocar as formas
Das nuvens sensuais;
Aspirar os perfumes
Da luz que aqui não vive.
Quer morder rochas
Lívidas, abruptas,
Até sentir o sangue
(a espuma dos rochedos)
A escorrer-lhe pelas faces,
Das chagas de oiro e sal.

Sentamo-nos à mesa.
Um alto candelabro
Que ilumina todos,
Dá ao grupo o aspecto
Dum sonho de escultor.
Parecemos perdidos na Sala do Infinito.
Eu presido ao banquete.
As iguarias vêm,
E os meus Instintos,
E os meus Defeitos e Virtudes,
E a legião faminta dos meus hóspedes
Começa a devorar
O meu corpo transido.

E o festim continua...

No candelabro as velas vão morrendo.

Senhor, se até a Fé me abandonar
E a Esperança me não der
Mais uma esperança _
O que será de mim ?!

Fazei que, ao menos, eu não entre mais
Neste palacio de paredes negras.
Prefiro abandonar o meu país
_ O Pensamento
E ver apenas o que o meu corpo vê.
Não recordar nem saber o caminho
Deste palácio
Onde me mora a alma.

Chove.
As coisas físicas ficaram
Na serenidade, apáticas,
Indifirentes.
Também eu queria ser
Apenas um objecto inanimado;
Assim como o cinzeiro
Aonde apago
O meu cigarro !
Barro vidrado
Todo branco e azul,
Com o desenho duma caravela,
E as velas sujas
De cinza morta.
Sem bandeira no mastro,
Sem um porto à demanda...
Cai a chuva lá fora
E ele não sente.

Cai chuva,
Mas
Não é chuva:
São os meus gritos
Que andam pelo ar
E caem transformados
Em tempestades
De lágrimas geladas.
Sou eu pulverizado
Em cinzas líquidas,
Fagulhas de incêndio
Que anda em mim.
Sou eu universal,
Em labaredas
Num fogo frio
De ventos a atear.

Chove...
Não, não está a cair chuva.
Sou eu,
Que estou a chorar.

Carlos Santelmo

17 Comments:

Blogger Menina do Rio said...

E queixa-se a tarde
e que a ouve?...

Esta balada está muito de acordo com as minhas tardes frias de domingo chuvoso

Beijo pra tu, Manu

10:25 da tarde  
Blogger Ana Maria said...

Poema tristonho!
Alegra-se seus dias.
Muita luz na sua caminhada.
Beijos no seu coração.

4:20 da manhã  
Blogger Martinha said...

Um ambiente escuro, triste, que contrasta mesmo com a caloraça que se faz sentir nestes dias. xD

Já tinha saudades de ler-te por cá. :P

6:13 da tarde  
Blogger Cristina Fernandes said...

Chuva inspiradora...
bjs
Cristina Fernandes

9:33 da tarde  
Blogger Marina said...

Cuanta tristeza en esos versos, pero qué bellos! Saludos!

11:44 da tarde  
Blogger Baila sem peso said...

Os dias são todos quentes ou frios
Os dias são domingos de baladas
Ou são segundas e terças cansadas...
Os dias são de sorriso ou lágrima
e coloca-se a dor na rima...
E coloca-se a vida na fé
e canta-se a esperança
rezando ao Tempo de pé!...
Os dias são Vida, igual a maré
e a Lua enfeitiça a temperança...
Deuses acariciam com mãos de criança

Poesia triste...sentimento assiste

Um bom fim de semana
(Dizem que no Domingo chove por aqui :))
Beijito para ti

1:43 da tarde  
Blogger Alice Matos said...

Quão mais fácil seria sermos apenas o cinzeiro onde se apaga o cigarro... apático... alheio à loucura do Amor e aos gritos transloucados do anfitrião...
Mesmo assim não troco de lugar com ele... triste não saber o gosto dos sentimentos... das loucuras tremendas que dão paladar à vida...
Mesmo daqui... do meu canto... escondida do mundo... atrevo-me a sentir e a acreditar... ainda...

Beijo para ti...

1:47 da tarde  
Blogger Menina do Rio said...

Relendo este poema que diz tanto!

Um beijo pra tu, Manu

5:45 da tarde  
Blogger fgiucich said...

Una balada muy cierta y real. Quién no ha pasado un domingo así!!! Abrazos.

12:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O poema é sublime!

Fizeste uma boa escolha, Manuel.

Parabéns!

Bom fim de semana.

Beijoº

4:10 da manhã  
Blogger mariam [Maria Martins] said...

Manuel,

é assim, por vezes chovemos por dentro, bem verdade! Mas... também fazemos Sol :)

Gostei muito do poema, que não conhecia ...

deixo uma mão-cheia de cerejas e o meu sorriso :)
mariam

nota:já estava com saudades deste 'Universo' tão especial... mas tive alguns problemas informáticos rsrs

2:44 da tarde  
Blogger Carla said...

uma balada com pingos de chuva...ou serão lágrima?
para dizer que já há post nos "Desalinhos" do lançamento do livro "In-Finitos Sentires"
beijo

4:52 da tarde  
Blogger Dalva M. Ferreira said...

Que melancolia!

11:24 da tarde  
Blogger Ana Maria said...

Uma chuva de lágrimas.
Beijinhos!

3:47 da manhã  
Blogger mariabesuga said...

É preciso inventar a alegria nos dias tristes... ou a serenidade para lhes aceitar a tristeza, sei lá...

Um abraço, Manuel.

12:58 da tarde  
Blogger SAM said...

Maravilhoso, amigo! E o convido para o " banquete" de Marly de Oliveira, no Sam!


Enorme abraço, carinhoso beijo e lindo fim de semama!

1:47 da tarde  
Blogger AnaR said...

Impactante y sin embargo...la tristeza cuanta belleza añade a la poesía.

Un abrazo

5:03 da tarde  

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