quinta-feira, outubro 29, 2009

O TEU RETRATO

Olhos castanhos, encantos dos meus olhos
Corpo de Vénus ao nascer da espuma;
Flor dum dorriso que em sua boca assuma
Como espuma do mar entre os escolhos

Corpo gentil, cabeça donairosa,
Loiros cabelos de espessura fina
Sobre a fronte formosa e pequenina
Caem em forma leda e caprichosa

E de leve, de manso, anda ligeira,
Olhos perdidos num cismar profundo
A sonhar, como eu sonho, a vida inteira

Oh! não me roube Deus esse retrato
Que já gravei no coração... tão fundo,
Se mo roubasse Deus... seria ingrato...

Belarmino Barroca Gil

domingo, outubro 25, 2009

BEIJOS

Quando te falo em beijos estremeces,
Cintila o pranto no teu doce olhar,
E, no profundo e longo meditar,
Parece até que a própria vida esqueces !

E's tu que me ilaqueias e adormeces
Na rede dos teus sonhos de luar ;
Mas, se te falo em beijos, a chorar,
Ficas silenciosa e empalideces !

Ainda um dia hei de furtar dois beijos
A essas faces de límpidos desejos,
Que são a minha perdição ao vê-las !

E, depois duns segundos de amuada,
Dirás, dando-me quatro, apaixonada :
_Amor sem beijos... noite sem estrelas !

Eduardo Miranda

sábado, outubro 24, 2009

BEIJOS

Os beijos fugídios que se dão
às escondidas sem ninguém saber,
têm o sabor estranho do ladrão
que leva o roubo sem ninguém o ver.

E os demorados beijos da paixão,
que duas bocas trocam a tremer,
têm a mais doce e rara sensação
que duas almas podem conceber.

Há beijos puros, beijos divinais,
que a gente dá e não esquece mais,
e até à morte ficam a lembrar.

Mas o que a gente nunca percebeu
é se é melhor o beijo que se deu
ou se o beijo que se não chega a dar.

Espínola de Mendonça

terça-feira, outubro 20, 2009

VIDA

Tantos passos se dá inútilmente; tantos
dias de inquietação à espera do amanhã...
Tantas noites de insónia, estioladas de prantos,
e tanto amanhecer em dúvida malsã;

tantas mágoas cruéis; tantos mudos espantos,
tanto lutar sem prémio e tanto inglório afã!
Tantas desilusões e tantos desencantos
a vida nos impõe, sempre efémera e vã.

Mas, basta uma hora só que o destino nos traga
da ventura, através da mão que nos afaga,
da boca que nos diz uma palavra boa,

para que tudo nela em glória se transmude,
para encher de ternura e amor nossa inquietude
e a gente compreender que não viveu à toa.

Colombina

sábado, outubro 17, 2009

PABLO NERUDA soneto LXVI

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero.
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor, a sangue e fogo.

Pablo Neruda
._._._._.
Soneto LXVI
Pablo Neruda
No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego

quarta-feira, outubro 14, 2009

A ...

Eu adoro-a: no entanto às vezes, quando
Preguiçosa no leito se reclina,
E o meu olhar faminto, descerrando
Avidamente a flácida cortina.

Voluptuosa a vê branca e divina,
Seminua no leito morno e brando...
_ Solto o cabelo _ e a mão rosada e fina
No fofo travesseio descansando;

Ante aquela visão deliciosa
Eu fico-me a cismar perdido e louco
Nas abundantes formas cor-de-rosa

Do seu corpo de linhas virginais...
E sinto que este imenso amor é pouco,
Porque ela ainda merece muito mais.

Silvestre Falcão

segunda-feira, outubro 12, 2009

LUZ EXTINTA


Por mais triste que a vida nos pareça,
Por mais negra que seja a escuridão,
Há um traço de sol, uma ilusão,
Que nos dá a luz, embora não aqueça.

Como se fosse tímida promessa
Que lábios não disseram, oração
Toda feita de paz e de perdão
De alma gémea que a nossa desconheça.

Dessa réstea de sol vamos vivendo,
Das mortas ilusões outras nascendo,
A alimentar um Bem que mal se olhou.

Tão grande que medi-lo só podemos,
Quando em vida p'ra sempre anoitecemos,
Porque o sol dessa vida se apagou.

Domitília de Carvalho

sábado, outubro 10, 2009

ANTONIO NOBRE

Ó Virgens que passais, ao sol poente,
Pelas estradas remas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu querido Lar.

Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O Sol que tomba, aureolando o Mar,
A fartura, da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!

Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu Lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas

Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz ... Cantai!

António Nobre

terça-feira, outubro 06, 2009

MEU CORAÇÃO

Na terra, uma semente pequenina
Abre, ao sol, em sorrisos de verdura,
E o rubro raio aceso que fulmina
Rasga o seio da nuvem que é ternura.

Ao longo de erma e pálida colina,
Um doce fio de água anda à procura
De alguma rosa angélica e divina,
Abandonada e morta de secura.

Meu forte coração também nasceu
Para criar, cantando, um novo céu.
Ninguém lhe entende a mística harmonia!

Lembra remota estrela desmaiada
Que mal se vê, na abóboda azulada,
Mas, para um outro mundo, é grande dia.

Teixeira de Pascoais
1877 - 1902

sábado, outubro 03, 2009

CONSELHOS AO CORAÇÃO

Devagar, coração, não corras tanto;
Caminheiro d'amor, devagarinho...
Olha não vás ficar pelo caminho
Como um pobre, atirado para um canto.

Cuidado, _que ninguém te dê quebranto!
Foge ao prazer; o riso é mau vizinho:
Lembra-te bem de que és um pobrezinho
E guarda sempre a esmola do teu pranto.

Sê puro, verdadeiro, simples, casto;
Se gostares d'alguém sinceramente,
Segue sinceramente o doce rasto...

E espera e vê se o lindo amor não mente:
Até que um dia páres, de repente,
Quebrado, morto, apodrecido, gasto.

Manuel Penteado
1874-1911