segunda-feira, janeiro 25, 2010

SONETO DE AMOR E DE ORGULHO

Por ti lutei. Venci os bárbaros e os brutos,
Fiz da minha existência uma ascenção de glória,
Tomei, dentro da vida, uns modos resolutos
E minha fronte ergui, num gesto de vitória.

Para te merecer e possuir minutos
Efémeros de amor, eu afrontei a escória,
A turba sensual dos homens dissolutos,
Que de ti conseguiu só volúpia ilusória.

Por ti, eu vagueei ao sol, ao vento e à chuva
Para um dia, beijar os doces bagos de uva
Dos teus olhos aonde a primavera canta...

Por ti, fiz do meu sangue uma perpétua aurora...
E dos meus nervos fiz as cordas em que chora
A canção que jamais me saiu da garganta.

Afonso de Castro

sábado, janeiro 23, 2010

DESCOBRIMENTO

Abancado à escrivaninha em S. Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trémulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Mário de Andrade

domingo, janeiro 17, 2010

SAUDADE

Saudade é doce engano que alimenta
E a um tempo mina um coração ferido,
Reacende a memória e mata o olvido,
Mal que faz bem, me nutre e me sustenta,

Saudade é doce-amargo que atormenta
Como um remorso de se ter nascido !
Mas quem não desejara ter vivido
E, sentindo-a, morrer de morte lenta ?

Tu serás sempre a íntima e discreta
Confidente do triste e do poeta
Que os contrastes da vida entristeceram.

Parácleto da hora derradeira,
Serás até à morte a companheira
Tutelar dos que amaram e sofreram...

José Lopes

terça-feira, janeiro 12, 2010

SAUDADE

Saudade _ ausência presente
Sempre em nosso coração;
Perfume que a gente sente
Das rosas que longe estão.

Luís Otávio

quarta-feira, janeiro 06, 2010

JÁ SE DERRETE A NEVE,

Já se derrete a neve, e da montanha
Em líquida corrente ao vale desce,
Os campos rega, as margens humedece.
Borrifa a tenra flor, a relva banha.

No monte a brenha, o mato na campanha
No bosque a planta, enfim tudo floresce;
Até no tronco antigo a hera cresce,
E a rude penha novo musgo ganha.

O fresco Abril em toda a parte arvora
O verde pavilhão, em que se esmera
Toda a pompa gentil, que produz Flora.

Tudo alegre se vê; somente austera
Não quis a minha sorte, que até agora
Chegasse para mim a primavera.

Paulino Cabral

sábado, janeiro 02, 2010

UM SER CURIOSO

Entre os mortais conheço um ser curioso,
frágil nau baloiçando à deriva
nas tremendas procelas desta vida,
reprimindo o seu grito clamoroso.

Misto de pequenez e de grandeza,
sempre nele palpitam muitas ânsias,
porque é feito prás altas culminâncias
da Verdade, do Bem e da Beleza.

Um tal ser, com a fome do Invisível,
pra mim sempre tão estranho e tão temível
sofre, luta, levanta a sua voz.

Nele vivem as forças da Maldade,
mas também o Amor e a Bondade...
Sou eu, és tu, é cada um de nós.

Armindo de Carvalho