domingo, janeiro 29, 2012

SENTENÇA

«_Caminha em frente ! _Faz o que te ordeno.
Não sejas preguiçoso; apressa o passo !...
_Que me importa saber do teu cansaço ...?
_Sou teu Destino e quero !... _Eu te condeno !...»


E eu senti as dores do Nazareno !
_O vigor diminuto do meu braço
Não suportou a cruz do meu fracasso,
Feita de amargo fel e de veneno !...


Eu caminhei com as forças esgotadas,
Sentindo no meu corpo as chicotadas
Que deixavam em sangue a carne nua !...


Mas o caminho é longo... é tão ruim...
E quando eu julgo que é chegado ao fim,
Mais agreste me surge... e continua !...

Clodoveu Gil

domingo, janeiro 22, 2012

TESTAMENTO

Quando eu desaparecer
Dispenso trens ao Paço, e aos vates loas;
Descargas e discursos e coroas,
E os préstitos civis da «idéia nova»
Já minha conhecida;
Que em nada d'isso eu possa achar a vida,
Se tiver de morrer,
Também dispenso a cova,
Se cão faminto me quiser comer.

Ressalvo o coração:
E' para os filhos meus, _ os meus amores;
Para o imenso que de mim ficou;
Para a mulher que me estendeu a mão,
E que, sem condições me quis, e amou,
Que tenha paciência o pobre cão.

Thomaz Ribeiro

domingo, janeiro 15, 2012

NOTÍCIA DE JORNAL

Tentou contra a existência
Num humilde barracão
Joana de tal
Por causa de um tal João
Depois de medicada
Retirou-se prò seu lar
Aí, a notícia carece de exactidão
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais
Uma mulata triste que errou
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de João
Ninguém notou
Ninguém morou
Na dor que era o seu mal
A dor de gente não sai no jornal
Chico Buarque

segunda-feira, janeiro 02, 2012

AS ALDEIAS

Eu gosto das aldeias sossegadas,
com seu aspecto calmo e senhoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.

Pelas tardes das eiras, como eu gosto
sentir a sua vida activa e sã,
vê-las na luz dolente do Sol-posto,
e nas suaves tintas da manhã !

Alegram as paisagens as crianças,
mais cheias de murmúrios do que um ninho,
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.

Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos
zunirem suas notas sibilantes ;
e mistura-se o uivar dos cães distantes
com o canto metálico dos galos.
Gomes Leal