domingo, maio 06, 2012

A MÃE

Eu canto-vos mulher, porque vos tenho visto
na pálpera vermelha a lágrima d'amor,
que vem d'Eva a Maria _ a doce mãe de Cristo _
formando a estalactite imensa duma dor !

Oh, quantas vezes já n'aldeia miserável
nas tristezas do campo, às portas dos casais,
vos tenho surpreendido em êxtase adorável,
enquanto os filhos nus ao peito conchegais!

A fria noite chega. Os maus, de boca cheia,
rebolam-se na terra: ainda pedem pão!
Com eles repartis a vossa parca ceia;
e vendo-os a dormir podeis sorrir então.

D'inverno quase sempre as noites são mordentes.
Uivam lobos na serra: o vento uiva também:
mas eles vão dormindo os longos sonos quentes,
enquanto a vil insónia oprime a pobre mãe !

Tendes sustos cruéis. Temendo que lhes caia
a roupa que os abafa, aos pobres acudis;
e aninhando-os melhor nas vossas velhas saias
podeis então dormir um tanto mais feliz.

Mulher quanto é suave e longo esse poema
quanto é preciso ó mãe, no trânsito cruel,
que a vossa alma estremeça e o vosso peito gema
a fim de que em vós brilhe o mais alto laurel !

Quem é que nunca viu, na rua, a cada passo,
a pálida mulher que rompe a multidão,
trazendo agasalhado, um filho no regaço,
e aos tombos, muita vez, um outro pela mão ?!

Nos frios do lajedo, às vezes, pede esmola
às portas dos cafés: ninguém a quer ouvir:
e a ela qualquer côdea a farta e a consola
contanto que sem fome os filhos vão dormir !

E enquanto à luz do gás a turba prazenteira
no fumo dos festins revoa em turbilhão,
quantos dramas cruéis nas húmidas trapeiras;
nos campos quantas mães sem roupas e sem pão ?!

E sempre a mesma lenda, a mesma história antiga:
do palácio à cabana o vosso doce olhar,
nas insónias cruéis, na fome ou na fadiga,
dum raio criador um berço a iluminar !

No entanto à doce mãe, se aquele amor sem termo,
da moda traja agoraos novos ouropéis,
e o vosso coração já gasto e um pouco enfermo,
sofrendo se dilui nos ideais cruéis;

nas vagas pulsações dumas recentes ânsias,
se aquela santa flor das grandes comoções,
apenas tem lugar nas vossas elegâncias,
como um enfeite de mimo amado nos salões;

na corrente fatal que ao longe arrasta os povos,
se o vosso grande afecto intenta erguer-se mais,
sonhando a sagração dos heroísmos novos,
resplendente de luz; vistosa de metais:

aos reflexos do gás, ó mãe, abri passagem
por entre a saudação das alas cortesãs,
levando as seduções da vossa doce imagem
aos delírios da noite, às ceias das manhãs !

Surgi do canto obscuro aonde o casto seio
palpita ingénuo e bom na paz da solidão,
e o vosso amor levai à ópera e ao passeio
a fim de que ele arranque um bravo à multidão !

E eu hei-de rir ao ver que um peito onde um tesouro
maior do que nenhum podemos encontrar,
intenta seduzir pela medalha d'ouro
que aos pequenos heróis os reis costumam dar !

Guilherme d'Azevedo
( 30/09/1839 6/08/1882)

3 Comments:

Blogger Isamar said...

Não conhecia. É lindo, amigo! Obrigada por mo teres dado a conhecer neste dia particularmente nostálgico.

Beijinhos

8:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Lindo, Manuel...
Fica bem...

Alice

12:00 da tarde  
Blogger Elvira Carvalho said...

Não conhecia mas é um belo poema.
Um abraço e obrigada pela partilha.

7:32 da tarde  

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