quarta-feira, junho 26, 2013

TROVAS

Alta a noite. Vem ouvir,
Estes tristes ais, ó santa!
Vai alta a noite e não vens,
«Já o luar se levanta»!

Esquecer o seu amor,
Numa noite tão formosa!
Só de ti nunca esquecida,
«Só tu minha preguiçosa»!

Já o luar se levanta,
Só tu minha preguiçosa;
No teu leito cor de rosa,
«Assim desprezas quem canta»!

No reino das ilusões,
Semelhante à mariposa!
Esqueceste o triste amor
«No teu leito cor de rosa».

Trilam os doces alados,
Té o rouxinol se espanta!
E eu, ó querida saudosa,
«Assim desprezas quem canta»!

J. Amaral

domingo, junho 23, 2013

FORMOSO TEJO

Formoso Tejo meu, quão diferente,
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti, foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente.

Já que somos no mal participantes
Sejamo-lo no bem. Ó quem me dera
Que fôssemos em tudo semelhantes!

Lá virá então a fresca primavera,
Tu tornarás a ser quem eras dantes:
Eu não sei se serei quem dantes era!

Francisco Rodrigues Lobo

sexta-feira, junho 21, 2013

NO EMBARCADEIRO DA VOLTA

Em Portugal, onde anda um sol que se demora
a diluir uma erosão crepuscular;
no embarcadeiro dos fantasmas a esticar
constantemente o coração que se evapora,

que busca a luz que vem de dentro para fora
e nunca a luz das coisas como são; no pomar
da árvore de ouro, nem a árvore agora
nem a outra, a ancestral cansada de durar;

em Portugal, lugar do velho escoadouro
de todo um continente, deste Ocidente inteiro,
terminal das paixões peregrinas primeiro

e enfim partida aos precipícios do vindouro,
é ali que toca ao coração do brasileiro
despedir-se de Europa e entender-se com o touro.

Bruno Tolentino

 

 

sábado, junho 15, 2013

POSTERIDADE


«Vede, Ninfas, que engenhos de Senhores,
O vosso Tejo cria, valoroso,
Que assi sabem prezar com tais favores»
Luís de Camões

_Mundano a quem favores o mundo tem,
Que breve é a tua glória. Por final,
Teu festejado corpo de mortal,
Em silêncio, co'a terra ajusta bem!

Humano deserdado em todo o bem,
Que não no génio teu, em que um caudal
De Amor, de altura, de ânsia, de ideal,
Favores de eternidade já contém!

Diversos andais, nas voltas do destino!
Aquele a quem o mundo entoa um hino,
Ao mundo o cala o baque dum caixão;

Aquele a quem a terra não merece,
O Porvir, juiz justo, o enaltece
E a clara voz lhe atende por lição.
Maria Antonieta Fernandes
Correio do Ribatejo, pag. 12, de 12/06/1998

quinta-feira, junho 13, 2013

QUERO

Quero viver daquilo que viveres;
quero chorar por tudo que chorares;
quero adorar aquilo que adorares;
quero sofrer por tudo o que sofreres.

Só hei-de crer naquilo que tu creres;
quero invejar sòmente o que invejares;
quero aspirar a tudo a que aspirares
e só descrer daquilo que descreres.

Quero mentir em tudo o que mentires;
quero sentir, amor, o que sentires;
sermos, num só, dois corpos _ tu e eu.

Só nos separa um nada que persiste:
_Esta minha ilusão que ainda existe,
e a tua que de há muito já morreu!

Armando Soares Imaginário

segunda-feira, junho 10, 2013

INVOCACION Y ODA A LUIS DE CAMOENS

Ven, Luis de Camoens, ven a España
__a este ardiente jardín__
y háblamos en tu claro verso,
cuéntanos las palavras de Manrique
__ que tan bien conocías__, muéstranos
«lo bien que suena el verso castellano»,
lo bien que suena junto al portugués.

Hablanos de Ben Sara de Santarén
__que tú no conocías, pero ya te ha leído
el otro mundo__,  de la niña e moza
que hunde los pies en las arenas de oro
de la playa inmortal; cuenta del Diego
al que Sá de Miranda convirtió
en rio en castellano. (Por la noche
llueven tus rimas y tus versos crecen
en mi memoria __ y miro al mar,
ya dentro de mi alma.) Háblamos tú
de la nave Catarineta,
del amor que en tu isla mágica
dieron las ninfas a los navegantes,
de los naifragios en el mar común
(que amasaron dos mundos)
y la luz derrotada en tierra,
y luego en claridad más señalado
resplendor. (No habrá nieve
que cuaje en las llanuras ni en los montes,
ni en las selvas y sotos, de tus cantos,
cuando, de noche, su ramaje
me ofrece los dorados
frutos, ni Babilonia
cuyas lágrimas sequen tu recuerdo.)

Ven callando, Camoens,
pedazo del alma común, arcilla
de la alcarraza en la que todos
bebemos sin mirar al agua;
Camoens,
que «entre los verdes árboles de agora
[estás] apacentando la memoria».

Angel Crespo Pérez de Madrid
  

sábado, junho 01, 2013

NA ALCOVA

Envolta em rendas de alvejante linho,
N'aquele ambiente calmo e perfumado,
Desfeita a trança, o corpo abandonado,
Ela dormita no macio linho.

Beija-lhe o corpo escultural, de arminho,
Do sol, que espreita como um namorado,
Um laivo quente de paixão doirado
E a carne treme ao sensual carinho.

Ondulam rendas sobre o vasto leito,
A estátua vibra já palpita o peito,
Desfaz-se o sol em luminoso pó:

Desperta a flor, enfim e suspirando
O frio leito vê vazio e brando
Enquanto os lábios seus murmuram _ Só !...

Carlos de Pina Machado