sexta-feira, julho 26, 2013

O PEQUENO MENDIGO

Avesinha caída um dia à lama,
Do coração d'alguma humilde mãe,
Que o deixou ir sem forças, como quem
N'uma onda vê sumir-se o que mais ama.

Foi da miséria ao vício e irá também,
Na preversão que os maus instintos chama,
Do vício hediondo ao crime, que ninguém
N'esse espírito em flôr a luz derrama.

E passa os dias o inocente _ a errar
De porta em porta, mendigando o pão
Que à noite a um dono tem de apresentar.

Há lá mais triste e negra condição ?
Morrer de fome e não poder tocar
Nas três míseras côdeas que lhe dão ?...

Manuel Ribeiro

quinta-feira, julho 18, 2013

AO POR DO SOL

Era a hora da tarde deliciosa:
O sol baixando rubro no horizonte
Da colina cobria a sua fronte
Co'um véu imenso de luz cor de rosa!
 
Ao longe um rouxinol claro e vibrante,
Ao ouvir a voz mansa de outras aves,
Soltava alegres canticos suaves,
Na crista d'um verde alamo oscilante!
 
Junto da praia, sonhandor poeta,
Com os olhos no mar, mirava fito
A magestosa imagem do infinito!
Ao perto a natureza era quieta!...
 
Pela abóboda imensa purpurina,
Já assomavam ridentes as estrelas;
E meiga flutuava abaixo delas
A luz radiante e cristalina...
 
Reinava, pois, silêncio, paz, frescor;
A natureza plena de alegria,
Cansada dos ardores d'um lindo dia,
Repousava fecunda como o amor.
 
Luís Augusto de Moraes Carvalho

domingo, julho 14, 2013

PONTE

Por sobre a água corrente
Estava a ponte lançada
Era uma escada fechada
Em perfeição convergente.

Era o equilíbrio do espaço
Que se pretendia saltar
Era uma espécie de dor
Que se desejava anular.

Era o canto da instância
Numa vertigem do zero
Era não crer no que quero
Era aumentar a distância.

Francisco de Vasconcellos e Souza

terça-feira, julho 09, 2013

POEMA XXXIII

Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão certas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo colorido antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para as ver com os dedos...

Alberto Caeiro

terça-feira, julho 02, 2013

FONTES

Fontes silenciosas,
misteriosas fontes dos caminhos:
sempre a gotejar água e segredar penas,
a pedras e a passarinhos;
sempre tentando atrair,
para o seu pequeno mundo,
o passo do pegureiro,
a inércia do vagabundo.


Fontes sombreadas,
ptareadas fontes dos jardins:
sempre a abundar de flores,
de suspiros, de olhares;
sempre a vibrar de ardores
e de invisíveis querubins.


Correm ali, num murmúrio as águas,
as juras e as mágoas
dos entrelaçados pares:
porque os amantes e as fontes
andam a esconder, a medo,
a mesma pena, o mesmo segredo...


Sérgio Frusoni