terça-feira, janeiro 28, 2014

GUILHERME DE AZEVEDO

DIZE !

Dize se quando a meiga lua adoras
Nas brandas noutes d'inspirado sonho,
Não sentes n'alma n'essas breves horas
Que os anjos buscão teu olhar risonho ?

Dize se quando a perfumada aragem
Perpassa leve pelo teu cabello,
Não sentes n'alma que uma doce imagem
Em ti se inspire de mais puro anhelo !

Depois em sonhos, palpitante o seio
Sonhos de rosas, de mais linda flor,
Dize se ainda nesse doce enleio
N'umm céu não vives d'inspirado amor !

Dize se ainda quando o mar suspira,
E tu vagueias na extensão da praia,
Os sons não sentes d'amorosa lyra,
Na mansa vaga, que a teus pés desmaia ?

Se a estrella fitas nos umbraes divinos,
Candida pomba, que aspiras aos céus,
Tua alma presa d'inspirados hynmos
Dize se sentes elevar-se a Deus ?

Dize se sentes o que o lyrio fala
Quando te inveja o divinal palor ?
Dize se ao fogo que de ti se exhala
Tudo na vida te não diz _ amor ? _

Guilherme de Azevedo

Correio do Ribatejo nº 5158, de 23/02/1990, pag. 19

sábado, janeiro 18, 2014

CANÇÃO AMARGA

Cavalo alado, perdido
em labirintos de estrelas:
longos caminhos de espanto,
desnudos aos quatro ventos,
fome de pura volúpia,
sede de bruma e silêncio.
Entre meus dedos trançados,
floriu o hibisco vermelho;
por ele troquei a flor
amarga do limoeiro,
olor de terra molhada,
aromas castos de feno;
deixei a saia rodada
pela túnica de efebo,
cravei agudo pinhal
na raiz do meu desejo __
por um amor desumano,
Sem razão, sem fim, nem sexo.

   Maria Manuela Couto Viana

quinta-feira, janeiro 09, 2014

SONETO

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.
     
Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês _ pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.
     
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.
     
Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.
     
        Sophia de Mello Breyner Andresen


sábado, janeiro 04, 2014

SONETO A ORFEU II

ASSIM como ao mestre a folha às vezes
à pressa mais à mão arranca o traço
verdadeiro: assim muitas vezes espelhos tomam
em si o sorriso santo e único das virgens,
      
quando elas, a sós, poem a manhã à prova,
ou no esplendor das luzes serviçais.
E no respirar das faces autênticas
mais tarde, cai um reflexo apenas.
     
O que não viram olhos no longo amortecer
fuliginoso do fogo das chaminés !:
olhares da vida, perdidos para sempre.
     
Ai! da Terra quem conhece as perdas?
Só quem em tom contudo de louvor
cantasse o coração, nascido para o Todo.
     
                       (Série II, nº II,)

                 RAINER MARIA RILKE