segunda-feira, fevereiro 23, 2015

MUSA DAS SOGRAS

NO   DOMINGO
     
A casa do compadre é muito sossegada
Nos dias de trabalho. Ali tudo é tranquilo,
De rusgas nem sequer o minimo sibilo,
Doce mansão de paz, esplendida morada.
     
Que família exemplar estando só !  Notada
É tanta mansidão. De vida bom estilo.
A harmonia não pode achar melhor asilo
Do que no seu seio; mas n'este mundo em nada
     
Pode haver perfeição, pois n'esse domicílio,
Onde a amizade canta fraternal idílio,
No domingo há motins, de paz sem intervalo,
     
Gritaria infernal, horrisona peleja
O compadre, nervoso e ríspido, esbraveja
Por ser dia em que vai a sogra visitá-lo.
     
Julio Camisão

sábado, fevereiro 14, 2015

SONETO

Não sei se por meu bem ou meu tormento
Te vejo e te procuro. Se a toada
Da tua voz escuto , que ignorada
Sensação é aquela que experimento ?
     
Sei apenas que a dor, o desalento
D'esta vida tão triste e tão cansada
Vejo fugir n'um rápido momento
Pelo sol d'uma esperança, acalentada.
     
Caiam bençãos do céu no teu caminho,
Deus te pague, meu Bem, todo o carinho
Do teu bondoso olhar tão lindo e brando.
      
Para mim eu só peço esta ventura,
Esta suave e tímida amargura
De te ver, meu amor, de quando em quando.
       
                             Domítilia de Carvalho

terça-feira, fevereiro 03, 2015

LUTA ROMANA

A luta começou. Grandes rumores
Na platéia. Assobios e protestos,
Rugidos, urros, desaforos, gestos,
Circundam ferozmente os contendores.
     
Rolam por terra, em sangue, os lutadores,
Aos bofetões brutais e desonestos.
Afinal um dos adversários lestos,
O outro domina. Estrépito !  Clamores !
     
Vai para casa o vencedor radiante.
E irrita a sogra, uma mulher severa,
Mas de cabeça amalucada e oca.
     
Atracam-se. (Este mundo é interessante),
O lutador que um lutador vencera,
Da sogra apanha até o céu da boca.
      
                   Horácio Campos

domingo, fevereiro 01, 2015

CANTO DA INOCÊNCIA

Vi o Caseiro erguer-se contra as sombras
das ovelhas atrozes que giravam
presas num olhal de ferro. Antes
de entrar no espaço da cidade
soube que as Ménades conduziam
o gado perverso que os deuses
haviam escolhido para símbolo.
Ovelhas que eram vítimas e carrascos
das nossas sombras crescentes, quando a tarde
escurecida, e o homem e a criança
redimiam em si a inocência.
     
Eu não sabia nada: só via os três
vultos enormes condenados ao círculo
da corda tensa, e no fim de tarde
cada forma inane jazia à espera.
O sentido da inocência só o soube
mais tarde na cidade, e então amei
o lugar-comum rural da minha vida,
escrita depois dos bíblicos pastores do Hebron
e dos idílicos da Idade Clássica.
      
         Fiama Hasse Pais Brandão